Campanhas de desinformação russas escaparam aos esforços da Meta para bloqueá-las
Uma organização russa ligada às campanhas de influência secreta do Kremlin publicou mais de 8.000 anúncios políticos no Facebook, apesar das restrições europeias e americanas que proíbem as empresas de fazer negócios com a organização, segundo três organizações que rastreiam a desinformação online.
O grupo russo, a Social Design Agency, evitou a aplicação negligente do Facebook ao colocar um valor estimado de 338 mil dólares em anúncios destinados a utilizadores europeus durante um período de 15 meses encerrado em outubro, embora a própria plataforma tenha destacado a ameaça, disseram as três organizações em um relatório lançado na sexta-feira.
A Agência de Design Social enfrenta sanções punitivas na União Europeia desde 2023 e nos Estados Unidos desde abril passado por espalhar propaganda e desinformação a utilizadores insuspeitos nas redes sociais. As campanhas publicitárias no Facebook levantam “questões críticas sobre a conformidade da plataforma” com as leis americanas e europeias, afirma o relatório.
O relatório segue o anúncio da empresa controladora do Facebook, Meta, de que estava mudando suas regras para o conteúdo permitido em suas plataformas de mídia social, incluindo a eliminação de verificações de fatos que sinalizavam ou removiam postagens. As mudanças irão quase certamente intensificar o confronto do Meta com os reguladores na Europa sobre a forma como lida com a desinformação e outros conteúdos corrosivos.
As mudanças incluem o levantamento de restrições automáticas a conteúdos relacionados com raça e género que possam entrar em conflito com a Lei dos Serviços Digitais da União Europeia, que exige que as plataformas de redes sociais restrinjam atividades ilegais e prejudiciais online e a propagação de desinformação. O bloco de 27 nações anunciou no ano passado que havia lançado uma investigação sobre o Meta por causa da má supervisão de anúncios enganosos no Facebook e no Instagram.
Quando o presidente-executivo da Meta, Mark Zuckerberg, anunciou as políticas de conteúdo na semana passada, ele pareceu aludir à luta regulatória da empresa com a União Europeia, apelando ao presidente eleito Donald J. Trump para “reagir aos governos estrangeiros” que ele disse serem buscando restringir a liberdade de expressão.
A Social Design Agency é uma empresa de relações públicas com sede em Moscovo que, segundo autoridades americanas e europeias, opera uma sofisticada operação de influência conhecida como Sósia.
Desde 2022, Doppelgänger criou memes de desenhos animados e clones online de sites de notícias reais, como Le Monde e The Washington Post, para espalhar propaganda e desinformação, muitas vezes sobre a guerra na Ucrânia.
Um porta-voz da Meta se recusou a comentar o relatório, mas apontou para as advertências públicas da própria empresa sobre o Doppelgänger.
Meta identificou a campanha pela primeira vez em uma análise de ameaças publicada em 2022, vinculando-a à Agência de Design Social. Bloqueou repetidamente as suas operações quando as encontrou, o que levou os organizadores da campanha a mudar de táctica para evitar a detecção.
Em outro análise de ameaças em dezembro, Meta disse que “não vemos mais o Doppelgänger tentando direcionar pessoas em nossos aplicativos para seus domínios que imitam sites de agências de notícias ou entidades governamentais”.
A análise da Meta observou que as campanhas pareciam ter pouco impacto, mas o grupo russo continuou os seus esforços noutros sites de redes sociais, incluindo Reddit, Pinterest, Tumblr e Medium.
As organizações que documentaram a campanha – Check First, uma empresa de investigação finlandesa, juntamente com a Reset.Tech em Londres e a AI Forensics em Paris – concentraram-se nos esforços para influenciar os utilizadores do Facebook em França, Alemanha, Polónia e Itália. Doppelgänger também tem sido associado a operações de influência nos Estados Unidos, Israel e outros países, mas estas não estão incluídas nas conclusões do relatório.
A investigação baseou-se em milhares de documentos internos da Agência de Design Social obtidos por duas organizações noticiosas europeias: Delfi Estonia e Süddeutsche Zeitung.
A Agência de Design Social não respondeu a um pedido de comentário.
Os documentos incluíam capturas de tela das interações do grupo com o Ad Manager da Meta, a plataforma para empresas colocarem e rastrearem anúncios no Facebook, usando nomes de usuário não autênticos. Os documentos permitiram aos investigadores reconstruir a escala e o custo das operações de informação russas com mais detalhes do que o habitual.
Os pesquisadores estimaram que os anúncios resultaram em mais de 123 mil cliques por parte dos usuários e renderam à Meta pelo menos US$ 338 mil somente na União Europeia. Os investigadores reconheceram que os números fornecem apenas um exemplo incompleto dos esforços da agência russa.
Além de propagar as opiniões da Rússia sobre a Ucrânia, a agência publicou anúncios em resposta a grandes acontecimentos noticiosos, incluindo o ataque do Hamas a Israel em 7 de Outubro de 2023, e um ataque terrorista num subúrbio de Moscovo em Março passado que matou 145 pessoas. Os anúncios costumavam aparecer em 48 horas, tentando moldar a percepção do público sobre os acontecimentos.
Após os ataques de 7 de Outubro, os anúncios divulgaram falsas alegações de que a Ucrânia vendeu armas ao Hamas. Os anúncios atingiram mais de 237 mil contas ao longo de dois a três dias, “ressaltando a capacidade da operação de transformar eventos atuais em armas para apoiar narrativas geopolíticas”, afirma o relatório do pesquisador.
Alexandre Alaphilippe, diretor executivo da Laboratório Desinfo da UEuma organização de pesquisa sem fins lucrativos com sede em Bruxelas, disse que o relatório destacou a necessidade de a Meta fazer mais, e não menos, para combater a desinformação, e de os reguladores da UE responsabilizarem a empresa.
“Se a Europa pretende ser uma entidade soberana com as suas próprias leis, essas leis devem ser aplicadas por plataformas e outros intervenientes”, disse ele. “A incapacidade de aplicá-las adequadamente levanta sérias preocupações sobre a soberania e se a Europa pode garantir que as suas leis sejam respeitadas no seu próprio território.”