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Aprendendo com o inesperado

Um pesquisador da EPFL que trabalha na encruzilhada da neurociência e da ciência da computação desenvolveu um algoritmo que pode prever como a surpresa e a novidade afetam o comportamento.

Acontecimentos surpreendentes e inesperados – um vilão de um filme que de repente faz um gesto de compaixão, um candidato presidencial que vence mesmo que seus amigos pensassem que ele perderia, ou um amigo há muito perdido que você encontra nas férias em um país distante – desencadeiam naturalmente respostas em nossos corpos. Estas respostas são uma combinação de pensamentos e comportamentos e podem, nestes exemplos, significar uma melhor apreciação do realizador, repensar o nosso círculo social ou reavivar uma antiga amizade.

Tais respostas são o que os cientistas do Laboratório de Neurociência Computacional da EPFL, liderado por Wulfram Gerstner, estão estudando. Embora muitas pesquisas tenham sido feitas em neurociência e psicologia sobre como o cérebro responde à surpresa e à novidade e os efeitos decorrentes no comportamento, muitas questões permanecem. Por exemplo, não está claro exatamente o que significa “surpresa” e “novidade” e como essas situações afetam certas funções cerebrais.

Alireza Modirshanechi, atualmente pós-doutorado na Helmholtz Munique, na Alemanha, conduziu sua pesquisa de tese de doutorado no laboratório de Gerstner, examinando essas questões com a ajuda da inteligência artificial (IA). Ele compilou várias definições de surpresa para desenvolver um algoritmo que pode prever como os humanos responderão a situações surpreendentes e novas. O algoritmo descreve essencialmente um agente inteligente que imita um ser humano e que pode realizar diversas tarefas (em experimentos realizados pelos pesquisadores) com os mesmos resultados obtidos pelos participantes humanos. “Ao compreender o algoritmo, podemos obter informações sobre como o cérebro humano e a cognição funcionam”, diz Modirshanechi. Isso abre caminho para uma melhor compreensão dos processos de aprendizagem, memorização e tomada de decisão. Sua pesquisa de doutorado lhe rendeu o prêmio EPFL Dimitris N. Chorafas Foundation em 2024.

Nosso objetivo não é criar um sistema de IA que funcione melhor que os humanos, mas sim projetar um que seja mais fiel ao comportamento humano, a fim de melhorar nossa compreensão do cérebro.

Alireza Modirshanechi, ganhadora do Prêmio Fundação Dimitris N. Chorafas

18 definições matemáticas de surpresa e novidade

O primeiro desafio que Modirshanechi enfrentou foi encontrar uma maneira de definir “surpresa” para um agente inteligente. A ideia subjacente é que, uma vez que o agente foi concebido para imitar os humanos, deverá ser surpreendido em situações em que os humanos sejam surpreendidos. Baseando-se em experiências clássicas em estudos comportamentais, Modirshanechi desenvolveu uma taxonomia de 18 definições matemáticas de surpresa e novidade que programou no agente inteligente. Em alguns desses experimentos, pediu-se aos participantes humanos que lessem frases contendo palavras que haviam sido classificadas como esperadas ou inesperadas; em outros, os participantes ouviram uma série de sons repetitivos que foram subitamente interrompidos por um ruído estranho. E em outros ainda, as previsões lógicas feitas pelos participantes foram confundidas – eles esperavam que X ocorresse, mas em vez disso Y ocorreu. A taxonomia de definições matemáticas de Modirshanechi serve para avaliar como um agente inteligente se sente “surpreendido” neste tipo de situações – informação que pode eventualmente ajudar os cientistas a compreender melhor como os humanos reagem a eventos surpreendentes e novos.

Modirshanechi utilizou métodos matemáticos para investigar as semelhanças e diferenças entre as 18 definições e as condições que as tornam indistinguíveis. Ele então delineou uma estrutura unificada para a comparação sistemática de diferentes abordagens para quantificar a surpresa e como essa emoção influencia o cérebro. Seu algoritmo distingue entre “surpresa” como modulador da velocidade de aprendizagem e “novidade” como impulsionador da exploração direcionada a objetivos.

Teste as previsões do algoritmo em humanos

“As coisas novas podem ser surpreendentes, mas também podem ser esperadas”, diz Modirshanechi. “Por exemplo, ver um eclipse solar pela primeira vez é uma experiência nova, mas também esperada, pois você ouviu falar do eclipse nas notícias. Por outro lado, se sua mãe, que mora em outro país, de repente bater na porta à sua porta, a visita dela não seria uma experiência nova, mas seria surpreendente. Na nossa pesquisa, quantificamos isso matematicamente e estabelecemos uma distinção entre surpresa, que acelera o processo de aprendizagem, e novidade, que impulsiona a exploração. esses sinais no cérebro.”

O próximo passo foi testar as previsões do algoritmo em relação ao comportamento real dos humanos. Para isso, Modirshanechi trabalhou com o Laboratório de Psicofísica da EPFL, liderado por Michael Herzog, para analisar dados comportamentais e de eletroencefalografia (EEG) coletados durante experimentos cognitivos com participantes humanos. Ele descobriu que tanto a surpresa quanto a novidade eram determinantes cruciais do comportamento humano em ambientes voláteis com recompensas escassas. “O algoritmo previu com sucesso 60% a 80% das decisões dos participantes”, diz Modirshanechi.

“Nosso objetivo não é criar um sistema de IA que funcione melhor que os humanos, mas sim projetar um que seja mais fiel ao comportamento humano, a fim de melhorar nossa compreensão do cérebro”, explica ele. “Todo mundo sabe que se você deixar cair uma maçã, ela cairá no chão. Mas Newton encontrou uma fórmula matemática para descrever esse processo. Isso é semelhante ao que estamos tentando fazer – desenvolvemos um algoritmo que pode prever quando e pelo quanto os humanos ficarão surpresos, e podemos explicar a equação pela qual os humanos aprendem mais rápido quando são surpreendidos.”

Além do mais, o algoritmo de Modirshanechi fornece uma base para pesquisas futuras. “Por exemplo, os dados do EEG sugerem que as pessoas com esquizofrenia percebem a surpresa de forma diferente das pessoas nos grupos de controle”, diz ele. “Mas não sabemos até que ponto a percepção deles é diferente. Nossa fórmula matemática pode quantificar isso. Ela também pode ser usada para responder a outras questões: os pacientes esquizofrênicos aprendem mais lentamente porque não se sentem surpresos? Eles procuram extrair informações de forma menos eficaz porque não experimentam novidades? Com ​​nosso algoritmo, os cientistas podem projetar experimentos para testar esses tipos de hipóteses.”

Aplicações em outros campos

O algoritmo também tem aplicações em outros campos. Na educação, por exemplo, os professores podem utilizá-lo para explorar como a surpresa pode reforçar o processo de aprendizagem e memorização.

A pesquisa de Modirshanechi também dá uma contribuição importante ao campo da IA. “A maioria dos algoritmos que existem hoje são baseados em ambientes estáveis”, diz ele. “Mas no mundo real, as coisas mudam constantemente. Os engenheiros precisam ser capazes de incorporar o fator 'surpresa' em seus modelos para torná-los mais confiáveis ​​e seguros. Acho que é o momento certo para resolver esse problema e desenvolver a próxima geração de Programas de IA.”

Referências

Buscando o novo, aprendendo com o inesperado: Modelos computacionais de surpresa e novidade no cérebro, Modirshanechi, Alireza

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